Ele
tomou um banho de tecnologia e ganhou superpoderes. Ficou Ă¡gil, coletivo e
revolucionĂ¡rio. Sua velha versĂ£o ainda resiste - mas por quanto tempo?
por
Alexandre Carvalho dos Santos
Todo mĂªs, cerca de 20 pessoas comparecem a um encontro marcado em um
prĂ©dio na regiĂ£o de Pinheiros, em SĂ£o Paulo. É um grupo heterogĂªneo. Ali tem
advogado, empresĂ¡rio, executivo, consultor. Eles se reĂºnem porque possuem algo
em comum - sabem que o futuro de todos ali estĂ¡ ameaçado.
Pra que vocĂª entenda o que estĂ¡ acontecendo, vamos Ă s explicações. O prĂ©dio de Pinheiros Ă© a sede da CĂ¢mara Brasileira do Livro. O pessoal que se reĂºne lĂ¡ Ă© formado, na maioria, por representantes de editoras e distribuidoras de livros. E o que os preocupa Ă© um concorrente que vem desafiando o reinado do livro impresso, mantido hĂ¡ 6 sĂ©culos, desde a BĂblia de Gutenberg: o livro digital. "A tecnologia estĂ¡ avançando rapidamente. E nĂ³s, produtores de livros, ainda estamos presos ao papel", diz Henrique Farinha, coordenador do grupo e diretor da Editora Gente.
O comandante desse ataque Ă literatura de papel tem um nome: Kindle. É o leitor eletrĂ´nico de livros lançado pela loja virtual americana Amazon, uma tela digital capaz de reproduzir as pĂ¡ginas de qualquer livro, ainda que com algumas limitações. Tem enormes vantagens na disputa com o papel. Digamos que vocĂª estĂ¡ lendo esta SUPER enquanto descansa numa paradisĂaca praia do Nordeste. VocĂª se interessou pela entrevista com Dan Ariely, na pĂ¡gina 34, e resolveu comprar o livro Previsivelmente Irracional, de autoria dele. Basta tirar o Kindle da mochila, navegar com ele pelo site da Amazon e fazer a compra na hora. Em coisa de um minuto, vocĂª terĂ¡ o livro inteiro disponĂvel no aparelho. NĂ£o Ă© feitiçaria, Ă© tecnologia - uma funĂ§Ă£o wireless parecida com a de alguns celulares. O pagamento seria feito com o cartĂ£o de crĂ©dito. O preço: US$ 9,99, uns R$ 19 reais. Bem mais barato que o livro impresso, que custaria o equivalente a R$ 31 na mesma loja. Sem contar que daria para ler ali, com o pĂ© pra cima, qualquer outro livro que vocĂª jĂ¡ tivesse comprado pelo Kindle. O bichinho armazena mais de 1 500 obras. É o mesmo que carregar por aĂ uma biblioteca formada durante toda a vida.
A praticidade Ă© a sacada revolucionĂ¡ria que fez do Kindle um hit entre os americanos, por enquanto os Ăºnicos a aproveitar suas funcionalidades (a rede wireless usada para venda dos livros ainda nĂ£o funciona em outros paĂses). Segundo a Amazon, um livro que tenha uma versĂ£o digital para o Kindle vende 35% mais cĂ³pias. De cada 4 exemplares vendidos de uma obra, um jĂ¡ Ă© digital. Tem atĂ© gente pedindo autĂ³grafo pra escritor no e-reader. (Aconteceu de verdade em Nova York, com o humorista David Sedaris, no lançamento de seu livro Engolido pelas Labaredas, no ano passado.) E olha que o Kindle ainda vive a sua infĂ¢ncia. A tela jĂ¡ mostra texto e imagens, mas em branco e preto. Cores? SĂ³ daqui a alguns anos, segundo Jeff Bezos, o presidente da Amazon.
ConclusĂ£o 1 para os nossos amigos lĂ¡ na CĂ¢mara Brasileira do Livro: o livro digital jĂ¡ pegou. ConclusĂ£o 2: se ficar ainda melhor, vai nocautear o livro impresso.
Para piorar, uma legiĂ£o de soldados vem na retaguarda do Kindle, tĂ£o ansiosa para vencer a batalha quanto seu lĂder. Os outros e-readers no mercado estĂ£o se sofisticando. Caso do Reader Digital Book, da Sony. Lançado em 2006, ele acabou de ganhar uma turbinada. Em março, a Sony disponibilizou para os donos de seu e-reader mais de 1 milhĂ£o de livros clĂ¡ssicos - de graça. Como? Uma parceria com o Google, que vem digitalizando obras por meio de acordos com editoras. AliĂ¡s, sĂ£o textos que estĂ£o disponĂveis para a leitura tambĂ©m na internet. Basta entrar no Google Books - hĂ¡ outros 6 milhões de livros lĂ¡.
Sem contar que dĂ¡ para ler um livro atĂ© pelo celular. Por enquanto, a coisa funciona graças ao Kindle - vocĂª baixa um aplicativo da Amazon pelo iPhone e manda ver na leitura. Mas jĂ¡ tem gente apostando que a Apple vem aĂ com uma ideia jobsiana para transformar o iPhone em um e-reader sofisticado. No Brasil, nada disso vale ainda. O primeiro a chegar deve ser criaĂ§Ă£o tupiniquim mesmo: o Braview, previsto para outubro (veja mais no quadro acima).
E eu com isso?
Beleza, o livro digital Ă© mais
prĂ¡tico e barato do que o impresso. E daĂ? DaĂ que a transiĂ§Ă£o vai mexer
diretamente com a sua vida. Veja este caso: na cidade inglesa de Hackney, a
escola City Academy vai adotar e-books em formato PDF para ensinar seus alunos,
uma criançada de 11 a 16 anos. Nada mais de livros convencionais. Para
viabilizar a digitalizaĂ§Ă£o, a escola estĂ¡ trabalhando com editoras de livros
que compõem o currĂculo escolar. Chega de ver criancinhas com mochilas de 3, 4,
5 quilos nas costas. No caso do Kindle, tudo caberia em menos de 300 gramas. O
mesmo que vocĂª teria de carregar se saĂsse de fĂ©rias e levasse 5 livros pra ler
na viagem.
A dor na coluna vai diminuir. Mas a dor no bolso pode aumentar. É verdade, os e-books custam menos do que o livro impresso. O problema Ă© que um modelo como o Kindle permite que vocĂª tenha um livro no momento em que quiser - nem sobra tempo para pensar duas vezes. É a oportunidade perfeita para as compras por impulso. E quem Ă© mĂ£o de vaca nĂ£o vai ter moleza pra pegar livro dos outros. Hoje, nĂ£o dĂ¡ para emprestar as obras digitais para os parentes ou amigos. A exceĂ§Ă£o Ă© o Cool-er, da fabricante britĂ¢nica Interead, que deixa vocĂª repassar um arquivo para atĂ© 4 pessoas.
O livro digital tambĂ©m pode transformar a leitura em um ato coletivo. NĂ£o, nĂ£o Ă© que vocĂª vai reunir a galera pra contar historinha. É sĂ³ a influĂªncia da web 2.0. Sabe aquelas anotações que a gente faz no canto da pĂ¡gina? Com o livro em bibliotecas como a do Google, vai dar para ler seu conteĂºdo e deixar anotações para o prĂ³ximo leitor. TerĂamos acesso aos pensamentos e referĂªncias que outra pessoa, que nem conhecemos, deixou ali.
Bacana, nĂ£o Ă©? Mas as mudanças
podem nĂ£o ser tĂ£o positivas para o pessoal da indĂºstria do livro, como aquele
grupo do começo da reportagem. Pense aqui com a gente: se nĂ£o vamos precisar de
papel, tinta e distribuiĂ§Ă£o pra fazer e vender livros...pra que servirĂ£o as
editoras e distribuidoras? AĂ Ă© que o bicho pega. Autores best sellers nĂ£o
precisam de tanta orientaĂ§Ă£o ou promoĂ§Ă£o pra vender livros. Poderiam cortar os
intermediĂ¡rios e negociar direto com as lojas. Isso aumentaria a participaĂ§Ă£o
nos lucros. O movimento jĂ¡ começou: a Interead, aquela do Cool-er, ofereceu 50%
do dinheiro das vendas para os escritores que coloquem seus livros Ă venda no
site do e-reader, o Coolerbooks.com. Uma editora tradicional costuma pagar até
10%. Mas e os autores menos famosos? Eles ainda precisam das editoras. E a
morte delas pode ser a morte de grande parte da boa literatura. Ou nĂ£o: talvez
qualquer um possa escrever um livro e colocar na internet. SĂ£o questões ainda
sem resposta.
De qualquer jeito, o modelo tradicional nĂ£o vai desaparecer da noite para o dia - as vendas de livros eletrĂ´nicos nĂ£o passam de 2% do mercado livreiro, e isso nos paĂses em que o e-reader jĂ¡ Ă© realidade. Mesmo assim, editoras e lojas estĂ£o se mexendo, seja digitalizando o catĂ¡logo, seja criando negĂ³cios no mundo virtual. Elas tĂªm, no entanto, uma dor de cabeça maior pela frente. No empenho para consolidar seu leitor eletrĂ´nico, a Amazon cravou um preço para a venda da maioria de seus livros: US$ 9,99 - enquanto um tĂtulo em capa dura custa em mĂ©dia entre US$ 25 e US$ 35. SĂ³ que a prĂ³pria Amazon paga entre US$ 12 e US$ 13 pra comprar obras das editoras. Ou seja, tem prejuĂzo. É uma aposta para o futuro: o preço baixo ajuda a atrair clientes a rodo. Isso pode pressionar as editoras a baixar os preços para competir, sacrificando os lucros. E talvez as levando Ă falĂªncia. SĂ³ a Amazon se daria bem, porque teria a clientela formada e conseguiria colocar o negĂ³cio no azul.
AtĂ© as bibliotecas terĂ£o de aprender a viver nessa nova ordem. No exterior, os bibliotecĂ¡rios estĂ£o se especializando em pesquisas online. Querem ser profissionais preparados para ajudar estudantes e interessados a filtrar informações encontradas em sites. "Tem muito lixo na internet. As pessoas assumem como verdade qualquer informaĂ§Ă£o achada na Wikipedia", diz NĂªmora Rodrigues, presidente do Conselho Federal de Biblioteconomia. "O bibliotecĂ¡rio precisarĂ¡ indicar o caminho para as fontes mais relevantes e fidedignas."
Pois Ă©, o livro eletrĂ´nico chegou botando banca. Mas o fato Ă© que ele ainda nĂ£o chegou de verdade. HĂ¡ muito a ser aprimorado atĂ© que os aparelhos e bibliotecas online caiam nos braços do povo. "O livro impresso terĂ¡ seu espaço atĂ© aparecer um leitor eletrĂ´nico que seja acessĂvel, agradĂ¡vel de usar e tenha um formato atraente. A questĂ£o Ă© quando vai surgir", diz Henrique Farinha. De qualquer forma, o ringue estĂ¡ pronto. E o livro impresso, com suas capas coloridas, o cheiro de tinta e uma experiĂªncia de tato ainda inigualĂ¡vel, terĂ¡ de barrar o Ămpeto de seu oponente - mais jovem e cheio de novidades. Antes que o novato vire um produto a que nem o leitor mais conservador consiga resistir.
Os rivais
Conheça os grandes concorrentes
do livro impresso - eles poderĂ£o engolir a sua biblioteca em breve
Kindle/Amazon
Preço - Duas versões. Uma por US$ 299 e outra, maior, por US$ 489.
Pontos fortes - Nos EUA, dĂ¡ para comprar mais de 275 mil livros em qualquer hora e lugar, pelo prĂ³prio e-reader.
Pontos fracos - A Amazon tem controle sobre
sua coleĂ§Ă£o. Pode deletar qualquer livro, como fez em julho com 1984, por uma
questĂ£o de direitos autorais. E nĂ£o estĂ¡ disponĂvel no Brasil.
Reader Digital Book/Sony
Preço - Duas versões. Uma por US$
279 e outra, pocket, por US$ 199.
Pontos fortes - Acesso gratuito a mais de 1 milhĂ£o de livros do acervo do Google. E Ă© mais barato do que o Kindle.
Pontos fortes - Acesso gratuito a mais de 1 milhĂ£o de livros do acervo do Google. E Ă© mais barato do que o Kindle.
Pontos fracos - O download para o e-reader
nĂ£o Ă© automĂ¡tico. É preciso conectar o aparelho ao computador para baixar os
livros. NĂ£o estĂ¡ disponĂvel no Brasil.
BR-100-NTX/Braview
Preço - O equivalente a US$ 200.
Pontos fortes - É coisa nossa! Previsto para
ser lançado por aqui em outubro, deve ser o Ăºnico no paĂs por um tempo.
Pontos fracos - SerĂ¡ mais simples que seus
amigos estrangeiros, sem wi-fi ou tela sensĂvel ao toque. Ainda nĂ£o divulgou
quais e quantas serĂ£o as obras disponĂveis para leitura no e-reader.
Plastic Logic
Preço - Estimado em cerca de US$ 299.
Pontos fortes - Com lançamento previsto para o inĂcio de 2010 nos EUA, vai ser uma tela eletrĂ´nica flexĂvel, o que significa que vocĂª poderĂ¡ enrolĂ¡-lo para guardar na mochila.
Pontos fortes - Com lançamento previsto para o inĂcio de 2010 nos EUA, vai ser uma tela eletrĂ´nica flexĂvel, o que significa que vocĂª poderĂ¡ enrolĂ¡-lo para guardar na mochila.
Pontos fracos - NĂ£o tem acervo definido
ainda. EstĂ¡ em negociaĂ§Ă£o principalmente com jornais, como Financial Times, mas
depende de contratos com anunciantes.
Google Books
Preço - De graça.
Pontos fortes - VocĂª nĂ£o paga nada e ainda
tem acesso a um baita acervo - 7 milhões de livros clĂ¡ssicos. Acesso fĂ¡cil, por
qualquer computador com internet.
Pontos fracos - As obras gratuitas foram escritas antes de sua avĂ³ ter nascido. HĂ¡ livros que sĂ³ permitem visualizaĂ§Ă£o de algumas pĂ¡ginas. E ler no computador nĂ£o Ă© lĂ¡ muito confortĂ¡vel.
Pontos fracos - As obras gratuitas foram escritas antes de sua avĂ³ ter nascido. HĂ¡ livros que sĂ³ permitem visualizaĂ§Ă£o de algumas pĂ¡ginas. E ler no computador nĂ£o Ă© lĂ¡ muito confortĂ¡vel.
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