Brincando de escrever, por Dani Souza

Um texto oneshot (capĂ­tulo Ăºnico), personagens criados por mim, sem nenhuma atribuiĂ§Ă£o a outras obras prĂ©-existentes. Para matar a saudade de criar. Espero que gostem! ;)

ClassificaĂ§Ă£o: PG



Apenas mais uma de amor...

Por Dani Souza
Data de criaĂ§Ă£o: 23/05/2017

Era mais um dia calmo e monĂ³tono para uma garota aventureira presa na parte rural da cidade.


Odiava a cidadezinha pequena e sempre previsĂ­vel, os vizinhos bem intencionados que conheciam sua Ă¢nsia de viajar o mundo e mostravam compaixĂ£o ao esbarrar com ela na rua.

Mas, a pior pergunta era se tinha um namorado na cidade grande.

Embora demonstrasse indiferença e, por muitas vezes, os deixasse sem resposta, a pergunta, na verdade, machucava como ferro em brasa.

JĂ¡ tinha passado mais de seis meses, porĂ©m, a dor parecia nunca ter fim.

Olhou o horizonte e percebeu que o sol ia se pĂ´r. Respirando fundo, ela calçou as botas e decidiu encarar o mundo lĂ¡ fora, doa o que doer.

A semana tinha sido corrida, testando sua fĂ© e sua paciĂªncia. Tocou a maçaneta e soltou rapidamente, pesarosa, voltou pĂ© ante pĂ© atĂ© o quarto no pĂ© da escada e espiou.

Com um sorriso triste e resignado, refez seu caminho e, desta vez, nĂ£o titubeou. Fechou a porta com cuidado atrĂ¡s de si, checou o celular no bolso, muito embora, naquele fim de mundo, fosse raro conseguir sinal.

Correu pela pequena horta e adentrou o pomar, seu alvo era a cerca lĂ¡ no fim da propriedade, num caminho entre macieiras e laranjeiras. Estancou e apoiou as mĂ£os na estaca de madeira pegando impulso para subir, por um instante, ficou de pĂ© e respirou fundo o ar fresco que revigorou seu ser numa ilusĂ£o de liberdade.

PorĂ©m, a sensaĂ§Ă£o de estar livre logo foi substituĂ­da por uma sensaĂ§Ă£o assustadora de estar caindo num abismo, sem possibilidade de enxergar o fim, e se este fim seria numa esperançosa porĂ§Ă£o de Ă¡gua ou numa dolorosa porĂ§Ă£o de terra.

- Camila – a voz forte e tĂ£o conhecida reabrindo as feridas e trazendo um pouco de alegria, talvez um pouco mais do que queria admitir, jĂ¡ que virou de uma vez e, com isso, perdeu o equilĂ­brio, caindo direto nos braços dele.

- Hector?! – conseguiu murmurar numa voz estrangulada de saudade e tristeza.

O rapaz alto, de cabelos escuros e bem cortados, a barba rala no rosto e um sorriso de derreter qualquer geleira, abraçou-a com força, talvez temendo que ela fugisse ou imaginando que tudo nĂ£o passava de um sonho.

Camila inalou o perfume amadeirado que emanava da camisa polo e, por alguns minutos, se deixou ficar aninhada no peito forte.

Enquanto a respiraĂ§Ă£o dela amainava, a de Hector acelerava, ela o fitou assim que os lĂ¡bios finos começaram a se mover.

- Pela sua expressĂ£o, nĂ£o esperava me ver nunca mais. – ele sorriu, tomado pela tristeza – VocĂª veio para o Ăºltimo lugar no qual pensei em procurar. Por quĂª?

- Precisava vir – ela respondeu olhando sua mĂ£o apoiada no peito dele, indecisa se ficava ali aconchegada ou se afastava.

- Certo. – ele bufou – Mas qual o motivo da fuga dramĂ¡tica? – ele bufou mais uma vez ao ver a expressĂ£o indignada dela – Camila... estava tudo bem, a noite tinha sido incrĂ­vel, mas bastou que eu dormisse para vocĂª sair como uma foragida. NĂ£o me deixou um bilhete, nĂ£o mandou sms. Creio que eu merecia uma explicaĂ§Ă£o.

Hector se afastou apĂ³s o desabafo, ela sabia que o tinha ferido, mas nĂ£o imaginava o quanto, mordeu o lĂ¡bio e respirou fundo.

- Vi a caixinha no criado mudo... e sabia que se... se vocĂª me perguntasse se queria casar com vocĂª. – ela parou para respirar mais fundo, a dor ameaçando deixar-lhe sem fala – Eu teria dito sim.

Hector nĂ£o conseguiu conter o espanto. E nĂ£o entendia o que havia de errado.

- EntĂ£o... – engoliu em seco e segurou a ponta do queixo dela para que o encarasse. Seu polegar deslizando sobre o sinal.

- E entĂ£o vocĂª estaria aqui, neste fim de mundo, acordando com os cacarejos de HorĂ¡cio, os relinches de Berta e as minhas lamentações. NĂ£o queria prender vocĂª num lugar que Ă© tĂ£o diferente do que vocĂª transita.

Hector exalou o ar que sequer percebeu estar prendendo, e olhou abismado para ela. Os cabelos castanhos claros reluzindo com os Ăºltimos raios de sol, o rosto enrubescido, os olhos pesados e repletos de lamento.

- Camila... como sempre, tomando as decisões sozinha. – balançou a cabeça num gesto jĂ¡ familiar para ela. – Perdemos oito meses por conta da sua mania. O que custava ter me consultado?

- Hector! VocĂª nĂ£o faz ideia do que Ă© estar aqui, seus pais me odiariam por envolver vocĂª a ponto de... – as lĂ¡grimas rolavam do rosto dela.

- Cuidar da sua mĂ£e, nĂ£o seria um fardo para mim. Posso ajudar, eu quero ajudar!

- Mesmo sabendo que... – ela nĂ£o conseguiu completar.

- Sim, sua mĂ£e errou, mas vocĂª estĂ¡ mostrando que fiz um bom julgamento, vocĂª Ă© luz, Camila. Embora sua mĂ£e tenha tentado tirar isso de vocĂª. – ele riu ante a pergunta nos olhos cor de mel – Falei com sua irmĂ£... sei dos excessos, dos traumas, da tortura. Entendo as duas por desejarem distĂ¢ncia dela, mas sua lealdade fala mais alto. E eu respeito isso.

- Ela jĂ¡ estĂ¡ nas Ăºltimas... – Camila chorou – Quis ficar em casa, neste buraco nĂ£o existe opĂ§Ă£o de trazer as mĂ¡quinas... É questĂ£o de dias.

- Posso... – ele começou para ser interrompido.

- Ela nĂ£o quer. Diz que Ă© o que merece por seus erros.

Hector abraçou a garota trĂªmula com força, queria afastar a tristeza, toda dor que via ali naqueles olhos tĂ£o amados.

- VocĂª iria me dar notĂ­cias depois...?

- NĂ£o sei, Hector. O que tenho certeza Ă© de que... fiz bem em sair escondida, nĂ£o teria deixado vocĂª se parasse para conversar. DĂ³i tanto. Simplesmente lembrar o que tive, o que precisei deixar.

- Eu estava enlouquecendo... Embora todos tenham dito para esquecĂª-la, cada momento que lembrava seu sorriso, pensava ter ouvido sua risada, era como estar perdendo um pedaço de meu coraĂ§Ă£o.

- E para quĂª? – ela soltou do abraço, afastando-se um pouco mais – NĂ£o podemos ficar juntos...

- Sua mĂ£e nĂ£o Ă© empecilho para o que sentimos. Eu te amo tanto que dĂ³i cada dia longe de vocĂª. Mesmo que soe piegas, Ă© a verdade.

Ele se ajoelhou e, do bolso da calça, tirou o anel, tĂ£o lindo na luz do poente que Camila teve que prender a respiraĂ§Ă£o. NĂ£o sabia se olhava o anel ou Hector com aquele sorriso impossĂ­vel de ignorar, um dos joelhos no chĂ£o de terra batida, uma mĂ£o estendida para ela, a outra com a caixa do anel. Os cabelos bagunçados pelo vento que estava ganhando força no entardecer.

Até as borboletas apareceram para prestigiar a cena, era demais para uma garota resistir.

Camila ajoelhou diante de Hector e segurando sua mĂ£o, fitou seus olhos e deu a Ăºnica resposta que cabia Ă  cena.

- Sim. Sim! – ela se jogou nos braços dele e os dois caĂ­ram no chĂ£o.

Hector capturou os lĂ¡bios dela num beijo calmo, matando a saudade, demonstrando o quanto sentiu falta da garota. O que ocorria em volta jĂ¡ nĂ£o era de seu conhecimento. Suas mĂ£os trabalharam em colocar o anel no dedo anelar para evitar um recuo.

Eles eram o par perfeito, sob o pĂ´r do sol mais belo que jĂ¡ tinham visto.

Camila se afastou para respirar e sorriu para o futuro marido. Podia vislumbrar um futuro feliz ao lado de quem amava e ele estava mais prĂ³ximo do que sequer imaginou.

No entanto, um grito abafado soou ao longe. Um tanto atrapalhada, Camila levantou e correu atĂ© a casa. Segurou no corrimĂ£o ao tropeçar, mas foi em frente.

Assim que abriu a porta, sabia que era tarde. A pressa foi deixada de lado e seus passos, agora trôpegos, acertaram o caminho até o quarto. Bastou um olhar para saber que tinha chegado a hora.

Ficou parada no batente da porta, nĂ£o chorou, sĂ³ pensou que precisava avisar Susana, mas nĂ£o tinha pressa, sua mente estava em marcha lenta.

Como poderia experimentar o melhor momento da sua vida e, logo em seguida, levar uma rasteira?

Os braços de Hector envolveram seu corpo, ela apoiou a cabeça no peito dele sem tirar os olhos do que um dia fora sua mĂ£e. A sempre grossa e exaltada, Rosa, um nome tĂ£o delicado para uma mulher capaz dos piores castigos para suas filhas. Relembrou o dia em que fugiram para o lago e foram castigadas com queimaduras de cigarro no pĂ© da barriga, ainda tinham as cicatrizes, uma lembrança impossĂ­vel de esquecer e perdoar.

Hector colocou Camila nos braços e foi atĂ© seu carro. Tinha que encontrar a igreja e lĂ¡ pedir que tomassem a frente do que fosse necessĂ¡rio para o funeral.

Camila ficou no carro o tempo inteiro, parecia catatônica. Hector tomou a frente de tudo, até mesmo ligou para Susana.

Dois meses depois...

Camila e Hector estavam olhando para uma tela na qual enxergavam um pontinho minĂºsculo que logo seria seu filho ou filha, as mĂ£os se entrelaçaram e um sorriso brotou no rosto dos recĂ©m casados. 

Susana, que estava ao lado, mal conteve a alegria diante da imagem do futuro sobrinho (a).

Embora o casal nĂ£o prestasse atenĂ§Ă£o, a futura tia falava sobre enxoval e quarto de bebĂª como se jĂ¡ nĂ£o tivesse seu prĂ³prio garotinho para paparicar.


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2 comentĂ¡rios

  1. Oi Dani, prazer em conhecĂª-la! Sua resenha me encantou pela histĂ³ria que ela Ă© demonstrada. Simplesmente amei!! BeijĂ£o

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    1. Obrigada Cosme, embora nĂ£o tenha entendido o "resenha".

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