A guerra que salvou minha vida, Kimberly Brubaker Bradley

 
Ada tem dez anos (ao menos Ă© o que ela acha). A menina nunca saiu de casa, para nĂ£o envergonhar a mĂ£e na frente dos outros. Da janela, vĂª o irmĂ£o brincar, correr, pular – coisas que qualquer criança sabe fazer. Qualquer criança que nĂ£o tenha nascido com um “pĂ© torto” como o seu. Trancada num apartamento, Ada cuida da casa e do irmĂ£o sozinha, alĂ©m de ter que escapar dos maus-tratos diĂ¡rios que sofre da mĂ£e. Ainda bem que hĂ¡ uma guerra se aproximando.
Os possĂ­veis bombardeios de Hitler sĂ£o a oportunidade perfeita para Ada e o caçula Jamie deixarem Londres e partirem para o interior, em busca de uma vida melhor.
Kimberly Brubaker Bradley consegue ir muito alĂ©m do que se convencionou chamar “histĂ³ria de superaĂ§Ă£o”. Seu livro Ă© um registro emocional e historicamente preciso sobre a Segunda Guerra Mundial. E de como os grandes conflitos armados afetam a vida de milhões de inocentes, mesmo longe dos campos de batalha. No caso da pequena Ada, a guerra começou dentro de casa.
Essa Ă© uma das belas surpresas do livro: mostrar a guerra pelos olhos de uma menina, e nĂ£o pelo ponto de vista de um soldado, que enfrenta a fome e a necessidade de abandonar seu lar. Assim como a protagonista, milhares de crianças precisaram deixar a famĂ­lia em Londres na esperança de escapar dos horrores dos bombardeios.
Vencedor do Newbery Honor Award, primeiro lugar na lista do New York Times e adotado em diversas escolas nos Estados Unidos.
A Guerra Que Salvou a Minha Vida
Ano: 2017 
PĂ¡ginas: 240
Idioma: portuguĂªs 
Editora: DarkSide Books

“Existe guerra de tudo quanto Ă© tipo. A histĂ³ria que estou contando começa quatro anos atrĂ¡s, no inĂ­cio do verĂ£o de 1939. Naquela Ă©poca, a Inglaterra estava Ă  beira de mais uma Grande Guerra...”

Assim Ada começa a nos contar sua histĂ³ria. AlĂ©m da II Guerra Mundial estar começando ao seu lado, Ada trava mais duas grandes guerras: uma com a mĂ£e opressora e outra com o irmĂ£o, Jamie, pois ele iria para a escola e Ada ficaria sozinha em casa.

Apesar de mais velha do que Jamie, Ada nĂ£o podia ir Ă  escola, segundo sua mĂ£e, por ser ‘aleijada”. A menina tinha uma deformaĂ§Ă£o em um dos pĂ©s, o que, segundo a sua mĂ£e, a tornava uma pessoa inĂºtil, imprestĂ¡vel e indesejada. Ainda assim, cuida da casa, do irmĂ£o e ainda Ă© castigada gratuitamente alĂ©m de nĂ£o poder sair de casa porquĂª sua MĂ£e tinha vergonha dela, entĂ£o passava os dias a ver o mundo pela sua janela, conhecendo quase nada.

Mas a guerra muda o destino das muitas crianças de Londres que sĂ£o evacuadas provisoriamente para cidades do interior a fim de se proteger. Pesadelo para alguns, mas para Ada e Jamie Ă© o fim da crueldade e o começo de lenĂ§Ă³is quentinhos, comida suficiente, roupas novas, banhos e cura, para todos os envolvidos.

“Quando eu pensava em ir pra casa, ficava sem ar. Minha casa dava mais medo que as bombas.”

As crianças sĂ£o abrigadas por Susan, que nĂ£o se sente preparada para cuidar de ninguĂ©m, nem dela prĂ³pria, pois ainda vive um processo luto pela perda de sua melhor amiga e tambĂ©m foi vĂ­tima da indiferença e crueldade por parte de seu pai e de toda uma sociedade por ela nĂ£o seguir as regras da Ă©poca. Mas as formas como as vidas desses trĂªs serĂ£o transformadas vai te levar Ă s lĂ¡grimas inĂºmeras vezes.

“... De alguma forma, o Natal estava me deixando apreensiva. Todo aquele falatĂ³rio de uniĂ£o, felicidade, celebraĂ§Ă£o... era assustador. Como se eu nĂ£o fizesse parte daquilo. Como se nĂ£o tivesse permissĂ£o. E a Susan queria que eu ficasse feliz, o que era ainda mais assustador.”

Ada se tornou uma das minhas personagens preferidas. A sua força, a sua franqueza e a sua determinaĂ§Ă£o quando nada parece lhe dar motivos para isso Ă© realmente impressionante. Mas a crueldade de sua MĂ£e deixou marcas profundas que, mesmo quando Ă© amada, ainda nĂ£o acredita que seja merecedora do amor de alguĂ©m. Como tive Ă¢nsias de matar a MĂ£e de Ada... Me perguntava como um ser vivo pode ser tĂ£o miserĂ¡vel com outro, e isso reforçava cada vez mais a minha tese que amor materno nĂ£o Ă© o maior e perfeito como dizem.

“Éramos nĂ³s, pensei. O Jamie e eu. HavĂ­amos caĂ­do na toca de um coelho, na casa de Susan, onde nada mais fazia sentido.”

NĂ£o gosto de histĂ³rias que tenham guerras como pano de fundo, acredito que jĂ¡ vivemos muitas dores sem precisar relembrar as jĂ¡ passadas. Mas algo me levou a ler esse livro e me sinto muito grata por isso. A narrativa crua e sincera de Ada Ă© desconcertante, as dores e amarguras pelas quais os trĂªs personagens passam sĂ£o de uma realidade impactante.


Narrado por uma criança, mas nĂ£o um livro infantil, a histĂ³ria Ă© uma mistura de realidade, permeada por fatos histĂ³ricos e ficĂ§Ă£o, tudo isso contado com a inocĂªncia e ignorĂ¢ncia de alguĂ©m que nĂ£o entende muito o que estĂ¡ acontecendo e acredita que nem uma guerra pode ser tĂ£o ruim quanto a sua realidade.

A Guerra que salvou aminha vida Ă© um daqueles livros que vocĂª precisa ler ao longo de sua vida: para ver como o ser humano pode ir do extremo da desumanidade atĂ© o outro extremo e ser angelical, para saber que existem pessoas que querem ser boas de verdade, para acreditar que a Ăºnica coisa que nos resta Ă© lutar, em qualquer situaĂ§Ă£o, e que ficar inerte por muito tempo nunca foi uma opĂ§Ă£o, para acreditar que o amor pode florescer no campo mais Ă¡rido que seja e para ter a certeza de que salvar a vida de alguĂ©m pode custar muito pouco.

“Dei a mĂ£o a ela. Um novo e desconhecido sentimento me preencheu. Parecia o mar, a luz do sol, os cavalos. Parecia amor. Vasculhei minhas ideias e encontrei o nome. Felicidade.”



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