As cabeças das pessoas negras, Nafissa Thompson-Spires


Em seus contos de estreia, Nafissa Thompson-Spires lança luz sobre as tensões latentes enfrentadas pela comunidade negra estadunidense. Com uma resistência corajosa à categorização e às respostas fáceis, em cada história a autora mergulha na vida de personagens tão reais que poderíamos cruzar com eles na rua. Alguns têm um humor ácido – como as duas mães que trocam mensagens sarcásticas por meio de bilhetes colocados nas mochilas das filhas – enquanto outros são absolutamente pungentes. Os personagens do conto que dá nome à obra, e que narra as terríveis consequências do incidente em que um cosplayer é confundido com uma ameaça, são bons exemplos disso. Em tempos em que se faz absolutamente necessário questionar nossos pensamentos a respeito da raça, da negritude e dos preconceitos que cercam esses temas, As cabeças das pessoas negras marca a chegada de uma escritora admirável, uma nova voz que todos precisam ouvir.
As cabeças das pessoas negras
Nafissa Thompson-Spires
Ano: 2021
Páginas: 200
Idioma: português
Editora: Nacional

Quero começar essa resenha declarando o quanto me faltam palavras para declarar a grandiosidade e importância da literatura de Nafissa Thompson-Spires. E, pasme, esse é apenas o seu livro de estreia!

As cabeças das pessoas negras é um livro de contos ambientados na comunidade negra de classe média-alta dos Estados Unidos e protagonizados por personagens visceralmente reais mas que estão longe da nossa realidade brasileira, onde a grande maioria dos negros é pobre e não tem acesso a privilégios considerados comuns em uma comunidade branca como  moradia, educação e lazer. Ao longo desses doze contos, a autora vai narrar a vida real desses negros norte-americanos e todas as violências, rupturas e constrangimentos a que são submetidos tendo como único motivo a cor da sua pele, mostrando que ter dinheiro não é fator suficiente para se obter um local de respeito dentro dessa sociedade racista. 

O racismo e o colorismo são os temas centrais de todas as histórias contadas, mas os textos não tratam apenas disso. Eles provam que o individuo negro é tão capaz quanto qualquer outro e que ocupa os mais variados lugares e posições dentro da sociedade e, principalmente, que não aceitam simplesmente serem subjugados ou diminuídos por causa de sua cor a custo de qualquer implicância gratuita, mesmo que o racismo esteja apenas nas entrelinhas. Um exemplo disso é o conto que traz um professor universitário negro que trava uma verdadeira 'guerra fria' com sua nova colega de trabalho por pura implicância da mesma.

Através das palavras de Nafissa, o leitor é capaz de perceber como o racismo é traumático e como é sofrido viver em um mundo que reafirma a supremacia branca em cada canto e durante toda a sua vida. E cerca de duzentos anos após o primeiro médico negro americano, James McCune-Smith, ter publicado "As cabeças das pessoas negras", onde rejeitava a postura paternalista de aceitação da humanidade das pessoas negras, ainda se faz necessário reafirmar que o povo negro é plural, complexo e impossível de ser rotulado ou classificado, fugindo assim de qualquer estereótipo cruel criado por uma sociedade mesquinha.

Não bastasse o  livro ser fantástico, quero chamar atenção para o prefácio da edição brasileira escrito por Winnie Bueno que introduz magistralmente a obra de Nafissa.

"Nós somos uma complexidade, nossas cabeças são informadas pelos traumas que o racismo nos impõe, mas não são deles feitas. Nossas cabeças, na verdade, como as cabeças de todos os seres humanos, são emaranhados de situações, noções, sentimentos, desejos, aflições, alegrias, tristezas, paixões, temores. Elas são feitas de sentimentos humanos, como humanos que somos. (...) A diferença é que as nossas ainda precisam funcionar de forma incessante para não serem fraturadas pelo racismo. Metafórica e literalmente. "

Winnie Bueno 


Receio não ter sido capaz de transmitir a você, leitor, a riqueza dessa obra. Me resta apenas recomendar veementemente que você leia "As cabeças das pessoas negras" e compartilhe todas as emoções que você experimentou durante a leitura.


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