O avesso da pele, Jeferson Tenório


Um romance sobre identidade e as complexas relações raciais, sobre violência e negritude, O avesso da pele é uma obra contundente no panorama da nova ficção literária brasileira.
O avesso da pele é a história de Pedro, que, após a morte do pai, assassinado numa desastrosa abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos. Com uma narrativa sensível e por vezes brutal, Jeferson Tenório traz à superfície um país marcado pelo racismo e por um sistema educacional falido, e um denso relato sobre as relações entre pais e filhos.
O que está em jogo é a vida de um homem abalado pelas inevitáveis fraturas existenciais da sua condição de negro em um país racista, um processo de dor, de acerto de contas, mas também de redenção, superação e liberdade. Com habilidade incomum para conceber e estruturar personagens e de lidar com as complexidades e pequenas tragédias das relações familiares, Jeferson Tenório se consolida como uma das vozes mais potentes e estilisticamente corajosas da literatura brasileira contemporânea.
O avesso da pele
Ano: 2020
Páginas: 192
Idioma: português
Editora: Companhia das Letras

Sabe quando você começa a ler um livro e tem a sensação de que a realidade invadiu a sua casa? O avesso da pele é bem assim. 

Não conhecia o Jeferson Tenório e resolvi ler o livro apenas porque estava disponível em uma plataforma e que grata surpresa eu tive ao me deparar com Pedro, 22 anos, negro e estudante de arquitetura. Mais narrador que personagem, Pedro vai tentar contar a história de sua família quando ele vai buscar os pertences do pai, assassinado ‘acidentalmente’ em uma abordagem policial. 

“Sei que o tempo foi passando e o que foi dito por vocês, antes de minha memória, foi dito em retalhos. Então precisei juntar os pedaços e inventar uma história. Por isso não estou reconstituindo esta história para você nem para minha mãe, estou reconstruindo esta para mim” 

Henrique, pai de Pedro, era um sonhador. Se tornou professor de literatura na escola pública por acreditar no poder transformador dos livros. Pai ausente, não acompanhou a vida de Pedro que mal o conhecia. Negro, muitas vezes não entendia porque a cor de sua pele falava mais alto do que o seu caráter em situações que beiram a crueldade, mas que já nos acostumamos a ver acontecer cotidianamente, como quando alguém segurava forte a bolsa ao passar perto dele ou pelas piadinhas racistas feitas pela família da namorada branca. 

“É necessário preservar o avesso. Preservar aquilo que ninguém vê. Porque não demora muito e a cor da pele atravessa nosso corpo e determina nosso modo do mundo. E por mais que sua vida seja medida pela cor, por mais que suas atitudes e modos de viver estejam sob esse domínio, você, de alguma forma, tem de preservar algo que não se encaixa nisso, entende? Pois entre músculos, órgãos e veias existe um lugar só seu, isolado e único. E é nesse lugar que estão os afetos. E são esses afetos que nos mantêm vivos."
Marta, mãe de Pedro, também teve uma infância bem conturbada. Negra adotada por uma mulher branca também enfrentou o preconceito estrutural que objetifica a mulher negra como instrumento de prazer. Teve um relacionamento bem conturbado com Henrique por causa de sua possessividade e ciúme. 

A escrita de Tenório dá a sensação de um confronto, como se Pedro precisasse desse último momento com os pais para entender quem ele é baseado nas histórias de vida que eles tiveram. E assim o autor nos mostra o abismo que ainda existe entre negros e brancos. Mas, ao mesmo tempo, tem um tom de confissão, como se o nosso grande amigo Pedro precisasse do nosso ombro para contar o que lhe aflige.  

A sensação ao longo e, principalmente, ao final do livro é a de ter uma venda arrancada de seus olhos, e isso causa dor e angústia. E porque ler um livro assim? Porque precisamos nos escandalizar, precisamos ter olhos e mentes abertas a todas as formas de racismo disfarçado em hábito, em ‘modo de falar’, em padrões determinados por uma sociedade de racismo arraigado. 

É então um livro para brancos? Não! Se você é branco e nunca viveu nem sequer tem ideia das dores de Henrique, você precisa ler e se indignar. E mudar suas atitudes, mesmo as que existem só ‘por hábito’ e ‘sem maldade’. Mas se você é negro e conhece a realidade de Henrique, você precisa ler para se indignar. E não se calar. E fazer sua voz ser ouvida. Até que a gente possa construir um mundo mais justo. 




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